por Fernanda Brambilla do UOL Esportes
Uma boate no litoral, um desinfetante, uma palha de aço, um amaciante de roupas, uma grife de sapatos, uma associação de padeiros e até um cemitério vertical. Na torcida, no [BP]uniforme[/BP] e (com sorte) no pódio, alguns patrocínios inusitados esperam lucrar com a conquista dos atletas nos Jogos Pan-Americanos do Rio. Apesar do esporte brasileiro nunca ter recebido tanto recurso como agora (com verbas vindas das loterias, dos bingos e de programas como o Bolsa Atleta), os atletas continuam com o tradicional expediente de aceitar patrocínios de onde venham.
“As pessoas ficam meio chocadas quando eu falo, se assustam. Principalmente quem é de fora e não conhece”, conta a maratonista Sirlene Pinho, segunda colocada no ranking nacional de maratona, que é patrocinada pelo maior cemitério vertical do mundo, localizado em Santos (SP) e registrado no [BP]livro Guinness de recordes[/BP]. “Ainda bem que não é um cemitério comum, olhando nem parece muito um cemitério. Todo mês vou receber meu salário e até esqueço o que tem lá dentro, já acostumei. Além do mais, tanto faz se é cemitério. Poderia ser até uma funilaria, o que importa é ter apoio, não sou supersticiosa.”
Além da excentricidade, o cemitério – um prédio de 14 andares – também é conhecido pelo apoio ao esporte, em especial ao atletismo e ao [BP]ciclismo[/BP]. Alguns famosos já levaram o fúnebre nome na camiseta, como o judoca Leandro Guilheiro e o ciclista Márcio May. No esforço para aliviar a imagem do lugar, são organizados shows e eventos no jardim do cemitério, que conta com lago de [BP]carpa[/BP]s e um mini-zoológico.
Longe de sustos, o esquiador Fernando Neves é outro que conta com um patrocínio que, no mínimo, vai lhe tirar muita atenção. Uma badalada casa noturna de [BP]Maresias[/BP], no litoral norte de São Paulo, abraçou a campanha do atleta, de 21 anos, que se prepara para seu segundo Pan. “Tem muita gente que vai pra balada, curte música eletrônica, dança, mas não passa do ponto, não se acaba. Queremos agregar essas tribos”, afirmou um dos sócios do clube noturno, Carlinhos Kalil.
A idéia e a ajuda financeira foram muito bem recebidos pelo esquiador. “Não é porque é atleta que não dá pra se divertir”, defendeu Fernando. “É claro que agora estou focado no Pan então faz tempo que não vou pra balada. Mas quem sabe não comemoro meu aniversário lá.” Enquanto isso, um adesivo no esqui marca a parceria, e camisetas devem ser confeccionadas em breve.
Se uma balada foge do padrão, outra parceria pouco convencional é entre o patinador artístico Marcel Sturmer e uma marca de sapatos, já que o atleta sempre deixa o patrocínio fora do ringue a cada competição.”É curioso mesmo, porque vivo de [BP]patins[/BP]. O jeito é abusar da marca durante as entrevistas. Ainda bem que a marca tem uma linha de chinelos, que é confortável, porque imagina se eu tivesse que usar sapato fechado? Já fico tanto tempo de patins…”, brincou Marcel.
Na ginástica, as parcerias curiosas também têm vez. Danielle Hypólito ganhou um reforço da Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria, a Abip, e já diz ter associação direta com a entidade. “São pessoas que acordam cedo para trabalhar, assim como nós, ginastas”, comentou Danielle, que usará em sua camiseta de treino a frase “Pão é minha energia”. “É legal, porque as pessoas acham que pão engorda, mas o que engorda é o que a gente põe no meio, comer pão de manhã não faz mal nenhum”, diz a ginasta, em franca campanha.
Para o presidente da Abip, Alexandre Silva, acompanhar a ginasta é apenas o primeiro passo de um projeto ousado de marketing durante os Jogos do Rio. “Estamos negociando com o COB para montar uma padaria dentro da Vila Pan-Americana, com tipos diferentes de pães, especiais para atletas. Estamos torcendo”, revelou Silva.
Atualmente, a seleção brasileira de ginástica artística é patrocinada por uma marca de amaciante de roupas, associação que – como as próprias atletas admitem – é um tanto sutil. “Limpeza mesmo só quando dá tempo. Estamos sempre treinando, tem os estudos, então isso acaba sobrando para nossas mães. Acho que combina justamente por isso, por causa das nossas mães”, argumentou Danielle.
Longe de ter o perfil de dona-de-casa, a atiradora Janice Teixeira, que leva no [BP]colete[/BP] o nome de uma marca de saponáceo em pó, aposta na empatia das consumidoras. “As mulheres me vêem e pensam que, assim como eu, também podem seguir um sonho, como eu segui”, conta a atleta, medalhista de [BP]bronze[/BP] em Santo Domingo-03. “Mesmo porque não tenho tempo pra ficar cuidando da casa”, brinca.
Caso parecido é o da seleção feminina de [BP]judô[/BP], que é representada por uma marca de desinfetantes de ralos e banheiros. “A gente nem pensa no produto em si, porque é tão difícil obter recurso. Quem ajuda é porque se identifica com o esporte e se preocupa em ajudar a gente”, conta Danielle Zangrando. “O judô é um problema, a gente não sabe ser marqueteira, já se acostumou a viver de resultado. Eu já desisti de tentar um patrocínio individual, e olha que já mandei muito currículo por aí.”
Daiane e as pizzas
Outra ginasta que já contou com uma ajuda incomum no início de sua carreira foi Daiane dos Santos.
Às vésperas de embarcar para o Pan de Winnipeg-99, a atleta, então com 16 anos, recebeu uma ajuda de custo de uma pizzaria de Porto Alegre. O proprietário da pizzaria, Ernesto Pereira, se sensibilizou com uma reportagem de TV que mostrava a falta de apoio à jovem promessa e destinou R$ 250 mensais para sua preparação (à época, o valor de 20 pizzas).
“Foi meu primeiro patrocínio, uma pizzaria que eu conhecia”, lembrou a ginasta. “Quando voltei ao Brasil, fizeram uma homenagem pra mim.”
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